25 Abril 2011
No primeiro dia da missão oficial no Brasil, que vai até sexta-feira, o secretário-geral da Anistia Internacional, Salil Shetty, foi à comunidade Cidade Alta, em Cordovil, na zona norte do Rio, e por quase duas horas ouviu relatos de violência policial em favelas da cidade. "Suas lágrimas, angústias e raiva não serão perdidas", disse.
O indiano de 50 anos, radicado em Londres, viu as sequelas do barbeiro Alessandro de Oliveira Nascimento, de 26, atingido por um tiro na cabeça em uma ação policial na favela Nova Holanda, também na zona norte, no ano passado. De Marilene de Souza, uma das Mães de Acari, que há 20 anos buscam os corpos de 11 jovens moradores da favela, viu o atestado de óbito de sua filha Rosana, recebido na semana passada. O espaço reservado ao local da morte diz: "Chacina de Acari".
Em entrevista, Shetty confirmou que, até o fim do ano, a Anistia Internacional abrirá um escritório no País - no Rio ou em São Paulo.
A entrevista é de Luciana Nunes Leal e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 26-04-2011.
Eis a entrevista.
Em quais áreas o Brasil tem mais problemas relativos a direitos humanos?
Desde a transição para a democracia, o progresso no Brasil nesta área deve ser comemorado. O País tem um Plano Nacional de Direitos Humanos, rede de proteção a testemunhas, a presidente Dilma Rousseff mencionou o tema no discurso de posse. Há boas políticas, mas a implementação é difícil. Há uma lacuna entre o que se quer fazer, o que está na Constituição e nas leis, e a realidade. Temos quatro grandes áreas de preocupação. Uma delas é a segurança pública.
Por isso o senhor começou a missão pelo Rio?
O Rio é um exemplo de que a segurança pública tem prioridade sobre os direitos humanos. A polícia com frequência usa a força contra pessoas que moram nas favelas.
As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) podem mudar essa realidade?
É cedo para avaliar. A experiência ainda é recente e está em poucas favelas. O problema não vai ser resolvido só com UPP. É preciso uma reforma da polícia e a integração de suas forças. É um bom começo, mas não resolverá o problema dos abusos e da violência policial contra pobres, afrodescendentes e moradores das favelas.
O que mais preocupa?
As ações para a Copa (do Mundo de 2014) e para a Olimpíada (de 2016) no Rio. As obras vão tirar muitas pessoas de onde elas moram. É preciso consultar os moradores. Muita gente recebe casa a muitos quilômetros de onde mora, onde está sua vida. Também nos preocupa o sistema prisional. Não houve investimento, é preciso uma ampla reforma. Outra questão é a Lei da Anistia. A Comissão da Verdade é um passo importante. Perguntam: "Por que abrir papéis antigos?" Os arquivos são fonte de informação, quem perdeu parentes e amigos quer justiça. Os culpados devem ser processados.
Com tantos problemas internos de violação dos direitos humanos, o Brasil pode pleitear um papel de destaque internacional?
Se o Brasil quer um lugar no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), as luzes se voltarão para cá. Antes, o País não tinha recursos, hoje não pode dizer que não tem. Tive longa conversa com o ministro Antonio Patriota (das Relações Exteriores). O Brasil não quer ser visto como país que desrespeita os direitos humanos.
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"No Rio, a segurança pública tem prioridade sobre direitos humanos" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU